Então é Natal

Por Anicéia Ribeiro

Estava eu pensando num texto suave para finalizar as postagens este ano para o blog quando, lembrei-me das famílias reunidas na noite de natal.  Família é o que há de mais lindo, não é mesmo?

Família é a célula mãe da sociedade.

É no Natal, quando estão todos reunidos para a ceia, que a gente pensa porque não reúne a família mais vezes ao longo do ano. Pensar talvez não seja o verbo correto. Compreender. Isso, esta é a palavra adequada.  

No Natal a gente compreende porque não se reúne mais vezes.

Porque é na noite de Natal que a família troca as mais aguçadas alfinetadas, acumuladas ao longo do ano.

A cada caixa de presente, a cada gole de Champanhe, a cada garfada no salpicão feito pela sogra, uma facada nas costas.

A cada fatia de Chester, a cada olhar nos mesmos pratos repetidos há anos, uma inveja disfarçada.

Para você que não entende muita coisa no quesito Ceia de Natal, preparei aqui alguns trechos dos principais personagens e suas ameaças, para que você esteja preparado.

Logo de entrada tem a avó-bisavó-velhinha.

Ela estará sentada com o mesmo vestido do ano passado e uma expressão que é um composto pomposo de maravilhas e encantamento, olhando para sua família como se vocês fossem um espetáculo do cirque du soleil.

Mas não se engane: não cometa o erro de confiar na vó-bisavó-velhinha da festa.

Apesar de não ouvir bem, de não andar direito e de aparentemente não oferecer perigo, ela é capaz de agarrar seu braço e só soltar depois da Páscoa.

Não. Não sou desumana. Eu amo as velhinhas, mesmo.

Elas agarram firme, porque sabem que ninguém lhes dá a devida atenção.

Por isso, a menos que você não se importe em passar a noite inteira aos berros, narrando à festa nos ouvidos da sua avó/bisavó, apenas dê um beijinho de "a senhora está ótima" e desapareça.

Tem também aquela tia que, você mal chega, e ela já lhe traz comida. E você tem que provar a receita feita por ela.

O pior é elogiar aquele que, mesmo sendo o "Globo de Ouro" dos últimos 20 Natais, não saiu bom.

Ou muito doce ou com gosto de ovo. Tem até aquele que desandou e ao invés de pavê parece mais uma sopa grossa. Isso é duro porque magoa quem fez.

Esse é aquele momento que tem que ter um "quê" de misericórdia. Então não pode falar mal e nem desdenhar.

Tem que comer. Ruim é elogiar demais. Nunca faça isso. Porque aí ela se enche de orgulho e tasca mais uma pá no seu prato para você se "deliciar com aquela iguaria". E ai de você se não comer.

Ah, mais dois passos a frente se encontra este outro personagem, corram, passem longe do cunhado bem-sucedido.

Não se preocupe. É fácil identifica-lo, porque estará usando gel e camisa de jogador de polo com número.

Esse protótipo de familiar é capaz de passar a noite inteira jogando na sua cara como ele escapou de todas as ciladas que você caiu ao longo do ano.

Sabe aquelas ações da Petrobras que você comprou e despencaram? Ele vendeu na alta. Sabe aquele carro importado que você viu na tevê? Comprou. Também comprou um iPhone 7 que sequer foi lançado, a paz espiritual, o amor sincero, a viagem pra Ibiza, o desgraçado fará você se sentir tão medíocre quanto...sei lá... o Facebook faz aos domingos.

Não acabou. Ainda tem a prima gostosa. Um perigo.

Ela acabou de implantar silicone, ela é capaz de colapsar as relações familiares mais resistentes.

Sem contar que você não cansa de se perguntar como ela conseguiu aquelas pernas mais torneadas que as de jogador de futebol.

Esse é o momento em que você pensa em como seus pensamentos são pecaminosos em tantos níveis.

De tanto olhar pras pernas da prima gostosa, acaba por tropeçar no sobrinho gordo que já está de olho no pavê-sopa.

Por fim, seus parentes de primeiro grau.

Pai, Mãe e irmãos.

Convenhamos, são o motivo de você aguentar tudo isso.

Então, releve todos os outros personagens e, pelo menos uma vez por ano vê se você os trata com o devido amor.


Anicéia Ribeiro é Colunista do Blog Ferreira Delmiro

Formanda em Letras pela Universidade Federal de Alagoas
Professora por formação
Empreendedora por paixão.


Uma amante das palavras