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Mar avança sobre Rio São Francisco e afeta população ribeirinha em Alagoas

A estiagem prolongada tem feito o Rio São Francisco perder força na divisa de Alagoas e Sergipe, permitindo que o mar avance sobre a água doce. O fenômeno é conhecido como salinização e, segundo pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), está transformando o ecossistema da região e prejudicando a população ribeirinha.

O que o pescador percebe no dia a dia também foi apontado pelo oceanógrafo Paulo Peter, pesquisador da Ufal que analisa os impactos ambientais e sociais da salinização do Rio São Francisco. "É possível notar no estuário a morte da vegetação típica de água doce, substituição dos peixes de água doce pelos de água salgada e inviabilização da água para o consumo humano.

.É no trecho da Área de Preservação Ambiental (APA) da Foz do São Francisco, entre os municípios de Piaçabuçu (AL) e Brejo Grande (SE), que o fenômeno pode ser percebido com mais intensidade pelos quase 25 mil habitantes da região.

"A gente pescava surubim, piau, dourado e todas as espécies de água doce. Era tanto peixe na rede que a gente não podia nem carregar. Nessa época, a gente também plantava arroz, que dava era muito. Hoje a coisa tá diferente, a água está tão salgada que arde até os olhos", relata o pescador alagoano José Anjo.

Piaçabuçu é o ponto de origem de outro problema que vem afetando os ribeirinhos, os esgotos (Foto: Jonathan Lins/G1)

Em Piaçabuçu, outro problema vem afetando os ribeirinhos: o esgoto no rio (Foto: Jonathan Lins/G1)












Para o pesquisador, a redução da vazão das águas do Rio São Francisco pela hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia, agrava o problema. O volume de água liberado pela usina já superou 2.900 m³/s, mas nos últimos anos vem sendo reduzido gradativamente para prolongar a vida útil dos reservatórios.
Em janeiro, a pedido da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e autorizado pela Agência Nacional de Águas (ANA), a vazão passou para 700 m³/s, a menor da história, segundo o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHRS).
"Se a vazão do São Francisco permanecer como está, a situação será cada vez pior, tanto do ponto vista humano quanto ambiental", avalia Peter.
O CBHRS diz estar em alerta, porque novos estudos avaliam reduzir ainda mais o volume da água do rio para uma vazão que pode chegar a 600m³/s. Contudo, ainda não há nenhuma definição neste sentido.
Saúde
O problema da salinização também se reflete na saúde dos ribeirinhos, como afirma a agente de saúde Suely Santos, que trabalha há 17 anos em Piaçabuçu. "A água do Rio São Francisco é para muitos moradores da região o único recurso hídrico que se tem para cozinhar e beber. Por conta da salinização, a água está provocando doenças. Nos últimos meses, aumentou bastante os casos de hipertensão entre os moradores, inclusive jovens".

O povoado Potengy é o que mais sofre, porque fica bem próximo da foz e a captação da água distribuída para população ocorre no trecho onde há um maior efeito da água salgada do mar sobre a água doce. Para piorar o problema, esgoto é lançado sem tratamento no leito do rio.
"A ação de saúde que hoje é feita com os moradores da região é de conscientização, para que eles evitem tomar a água do rio no período que a maré está mais cheia. Além disso, orientamos para que as pessoas tratem a água antes de consumir com hipoclorito ou fervura, para evitar a proliferação de doenças", afirma Suely.
Famílias inteiras navegam rio acima para conseguir água doce (Foto: Jonathan Lins/G1)Famílias inteiras navegam rio acima para conseguir água doce (Foto: Jonathan Lins/G1)












Viagem em busca da água doce
Encontrar famílias inteiras dentro de barcos, dividindo espaço com garrafas e baldes, é comum na região. Elas precisam atravessar o rio para buscar água doce em pontos mais distantes da foz, uma viagem que pode durar até três horas.

"Sem dinheiro para comprar água, temos mesmo é que viajar de barco para buscar. Do contrário, é tomar água ruim, que faz a gente adoecer. Minha esposa está com hipertensão, e minha filha já teve disenteria por tomar água daqui", afirma o pescador Jorge de Souza Santos, que faz esse trajeto a cada dois dias."

A dona de casa Maria Eunice chega ao porto de Potengy carregada com bacias de roupas e baldes de água. Com a maré alta, ela foi até o outro lado do rio lavar roupas e buscar água para beber.
"A caixa de água de casa está cheia, mas está tão salgada que não serve para nada. Essa água só vai melhorar quando a maré baixar. Não é que ela vai ficar doce, vai ficar salobra, e servir ao menos para um banho e para um lavado de roupa", afirma a dona de casa.


O pesquisador Paulo Peter, da Ufal, avalia que a estratégia de captar água para consumo na maré baixa não é adequada. "Constatamos que, mesmo na maré baixa, o sal permanece na água do rio, não desce para o mar como esperado. Com isso, na maré alta seguinte, esse sal que havia permanecido acaba sendo empurrado para trechos mais altos do rio".

"Para os padrões técnicos, a água doce pode ter até 1/2 grama de sal por litro. Nas coletas que fizemos próximo ao povoado Potengy, encontramos variações de 6 a 7 gramas de sal por litro. Salinidade que deixa o líquido impróprio para o consumo humano", alerta Peter.
Cidade fica as margens do São Francisco (Foto: Jonathan Lins/G1)Pescadores dizem que está cada vez mais difícil encontrar espécies de água doce na região do povoado Potengy, em Piaçabuçu (Foto: Jonathan Lins/G1)
Solução e políticas públicas
Peter afirma que as pesquisas realizadas pela Ufal estão à disposição dos gestores públicos para traçar ações e políticas públicas que permitam a utilização mais adequada das águas do São Francisco.

O secretário de Meio Ambiente de Piaçabuçu, Otávio Augusto, afirma que o município vem buscando parcerias para minimizar o problema.
"Estamos com o governo do Estado e a Casal [Compahia de Saneamento de Alagoas] buscando estratégias para mudar o ponto de captação de água no município para um ponto onde não há o efeito da salinização. No entanto, os prejuízos já são enormes, porque a pesca na região diminuiu e lavouras tiveram que ser abandonadas por conta do sal", diz o secretário.
Já a Casal diz que a água captada e distribuída em Piaçabuçu é tratada e analisada antes de seguir para o consumidor com os padrões exigidos pelo Ministério da Saúde. Para isso, técnicos seguem estratégias para captar água apenas na maré baixa e em determinados horários onde a concentração de sal é menor.

“Essa redução foi necessária para fazer com que o reservatório não esvaziasse. Se isso acontecesse, poderia prejudicar totalmente o abastecimento não só em Piaçabuçu, mas em todas as cidades que dependem do reservatório de Sobradinho”, afirma.

Sobre a redução da vazão na hidrelétrica de Sobradinho, o superintendente adjunto de Regulação da ANA, Patrick Thomas, diz que a Agência autorizou a Chesf, subsidiária da Eletrobras, a operar em 700 m³/s.
Ele reconhece que municípios que ficam na região da bacia do São Francisco estão enfrentando uma das piores secas dos últimos anos e que isso tem deixado baixa a fluência do rio, mas ressalta que, desde 2013, órgãos gestores se reúnem para discutir ações para prolongar a vida dos reservatórios.
“A vazão nos reservatórios vem sendo reduzida porque a quantidade de água que entra é pelas chuvas e, como não chove muito, é preciso armazenar a água controlando a saída”, diz.
Ainda segundo a ANA, até que haja chuvas com mais intensidade e por um longo período na região dos reservatórios, a situação deve permanecer como está. “A tendência é que seja mantida essa vazão nos próximos meses”, avalia Thomas.

A reportagem do G1 não conseguiu contato com a Chesf.

Banco de areia se formou no povoado Potengy, em Piaçabuçu (Foto: Jonathan Lins/G1)Banco de areia se formou no leito do Rio São Francisco em Piaçabuçu (Foto: Jonathan Lins/G1)

G1