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Bimba de Bode: LANÇA DO DIABO


O artista deixou o picadeiro pensativo e em passos curtos, a noite seria longa e tenebrosa. O malabarista de circo provinciano começou a desabrochar em lágrimas muito antes de chegar ao camarim...Onélia, a “meretriz” avulsa, morrera enfronhada na miséria dos seus últimos anos de agonia.

Conheceu a delícia da maçã ainda guri, pelas mãos mágicas de Onélia e, nas entrelinhas da memória de Zé Piaba, arrepiava-se com o vulto da menina moça rebolando no calçadão de terra batida de entre usinas de açúcar da cidade de Murici.   

Quando Zé Piaba saía do grupo escola sublimava o drama da palmatória caminhando pela beira do rio a pretexto de pegar umas goiabas na casa de Ananias, um senhor de traços rígidos e olhos agudos de cristalino azul anil, acomodado na sua cadeira de balanço, ao lado de um saco de enxofre de boca arregaçada e um tonel de querosene e costas para o Rio Mundaú.

Aos pinotes, Zé Piaba ultrapassava a primeira, segundo e a terceira cerca cruzando o quintal de Ananias e aterrizando na terra prometida: Onélia estava ali, de vestido curto, xadrez, puído pelo tempo e sem calcinha, estendendo roupa no varal nas pontas das “unhas” no auge de seus 15 anos.

Zé Piaba chegava como um cão de caça, rosnando, farejando, encurralando e ajoelhava-se de súbito e de frente a uma xoxota exalando o cio. Imaginava-se num porre de lança perfume como os seus pais no carnaval que arriavam pelas paredes com o lenço ensopado da dourada argentina. 

Nessa noite de labafero, Piaba beliscou o anzol do desejo e o baú da menina moça esbugalhou o paraíso de Zé... “No dia da Tiborna, futucava Zé a memória, os peixes boiavam e nós engatados dentro do rio de debaixo do bambuzal, esticando o fole pelo gemido de vida; desmaiei e, foi lida para acorda, lembro-me daquela voz macia no meu ouvido falando: “Onélia mata, mas ressuscita pelo desejo”... rsrsr”.

Sem fechar o baú, Piaba continuava no aquário da memória... Como?, perguntou Zé, que o belo e rude Ananias estava ali no quintal na hora certa e no lugar certo a falar do fim da safra das goiabas e cabisbaixo solicitar em segredo a minha receita manipulada pelo farmacêutico português, teimava Piaba em silêncio póstumo, mas o absoluto apossava-se do seu raciocínio, a blenorragia que quase o cegou nos pores, veio daquele rabugento filha da puta, tinha parte com o medonho e o saco de enxofre é a prova da lança do diabo. 
Por Luciano Aguiar