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UM PACTO PELA VIDA: SOCIEDADE, CIÊNCIA E UNIVERSIDADES JUNTAS CONTRA A PANDEMIA


José Vieira da Cruz*

A população mundial vive há algumas décadas os efeitos da intensificação da circulação de pessoas e mercadorias em escala global. David Harvey, crítico dos efeitos da globalização, em artigo recente, destacou que se vive uma espiral consumista infinita. Se por um lado, essa espiral gera para uma fração de pessoas ganhos financeiros sem precedentes, por outro, produz mercadorias e uma escalada consumista com efeitos sobre o clima e a qualidade de vida no planeta.  Um mundo líquido, assentado naquilo que Zygmunt Bauman, sociólogo dedicado a estudar a questão do consumismo, da globalização e das transformações nas relações humanas, definiu pela fluidez do deslocamento de consumidores individuais que vivem em um mundo sem fronteiras. Claro que esse maravilhoso mundo novo, para quem tem dinheiro, parecia infindável. 

Neste mundo novo das altas cifras dos ganhos financeiros, os princípios éticos, científicos, sociais e ambientais são frequentemente banalizados por governos preocupados com o desempenho das bolsas de valores e dos interesses de investidores financeiros nacionais e internacionais. Neste ponto, o Brasil demonstra estar tanto sintonizado quanto preocupado em se adequar aos ventos conservadores e neoliberais do mercado, da globalização e do capital financeiro. 

Mas para além desse mundo especulativo e consumista, uma realidade inesperada vem impondo a todos as sequelas de uma pandemia provocada por um tipo de Coronavírus, o Covid-19, que tem revelado grande poder de contágio. As suas consequências rapidamente têm saturado os sistemas de saúde em vários países a exemplo da China, Itália, Espanha, França, Equador, Brasil, e, até mesmo, dos Estados Unidos da América. Este último, um gigante com pés de barro, aparentemente forte, mas que tem se revelado frágil diante da atual crise.  A força da atual pandemia, já considerada o maior desafio de nossa geração, tem envolvido o planeta numa espiral crescente de mortes por causas relacionadas a insuficiência respiratórias agravando os quadros de pessoas portadoras de doenças imunológicas, cardiovasculares, de diabetes e de outras enfermidades preexistentes. 

Frente aos efeitos desta pandemia e do seu poder de sobrecarregar os sistema de saúde, fronteiras internacionais estão sendo fechadas, cidades estão sendo isoladas (lockdown), bilhões de pessoas estão praticando o distanciamento ou isolamento social, a produção de mercadorias está sendo interrompida e, consequentemente, começam a faltar insumos para os sistemas de saúde e outras demandas de consumo.

Neste cenário, em menos de quatro meses, do registro do novo Coronavírus em dezembro de 2019, ao início de abril de 2020, o mundo vive uma crise sanitária, econômica e política sem precedentes. O maravilhoso mundo novo da globalização é defenestrado dia a dia pela realidade imposta pelo novo vírus. Assim, além das mortes e das fragilidades dos sistemas de saúde, em particular nos países que descuidaram dos investimentos em políticas sanitárias e sociais, o Brasil se encontra em meio a uma disputa política internacional sem igual.  

Refiro-me, a dificuldade de o país importar Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para os profissionais de saúde e para a população. Nos últimos dias, os meios de comunicação, noticiaram que as compras de insumos de EPIs que o Brasil estava realizando junto a empresas chinesas foi preterido em favor dos Estados Unidos. A esse respeito, em uma coletiva, o Ministro da Saúde, em tom cada vez mais sereno, apela para a população evitar comprar luvas e máscaras, para que deixassem esses EPIs para os profissionais da saúde e que quem pudesse buscasse alternativas. E ao reforçar que agora é o momento de cuidar dos idosos, de persistir no distanciamento social – já que o Brasil não está praticando o lockdown –, e que a população pode produzir suas próprias máscaras de pano com as recomendações devidas.

Feita esta introdução, começo aqui a justificar o título desta reflexão a partir de duas duras constatações: a persistente diminuição de financiamento desferidas contra à ciência, às universidades e os institutos de pesquisa públicos no Brasil; e do grave processo de desindustrialização do país há décadas voltado para exportação de comodities e pelo favorecimento do capital financeiro. Em oposição a esta crise e constatações, a alternativa está na sociedade brasileira, no Sistema Único de Saúde (SUS), na capacidade produtiva do país, na ciência, nas universidades e nas instituições de pesquisa e formação públicas. Nestas últimas, é possível contar com seus laboratórios, pesquisadores, repositórios acumulado de conhecimento e expertises. 

A exemplo do que aconteceu com a epidemia do Zika Vírus, já há alguns dias, os meios de comunicação e as redes sociais,  têm registrado como as universidades e institutos de pesquisa públicos vêm mobilizando seus pesquisadores e utilizando seus laboratórios, equipamentos e equipes de docentes, técnicos e estudantes para juntos encontrarem soluções contra a evolução da pandemia. 

A exemplo, pode-se citar a produção de álcool em gel a 70%, mobilização da rede de FAB LABs (Laboratórios de Fabricação digital) com a utilização de impressoras 3D para produção de máscaras e outros EPIs e para desenvolverem, em tempo recorde, protótipos de aparelhos de respiração. Além da disponibilização dos laboratórios de análises clínicas e de hospitais universitários distribuídos em todo país. Estes últimos, atuando de modo integrado com o Ministério da Saúde e em colaboração com Estados, Distrito Federal e Municípios. 

Nota-se que nossas universidades combalidas por anos com cortes no investimento em equipamentos, insumos e recursos humanos, não têm se furtado ao chamado da sociedade. Porém sua capacidade de produção é voltada para a pesquisa e não para atendimento de demandas em larga escala. Neste sentido, cabem ao governo, à classe política e ao setor empresarial deixar as diferenças de lado, para integrar as soluções da ciência brasileira à capacidade de produção de nossas indústrias. Não basta evocar, em tempos de guerra, de crise econômica e de pandemia, o papel do Estado Interventor, como propõe a Escola Keynesiana. É preciso ir além, é preciso rever as políticas neoliberais das últimas décadas e investir de modo continuado, em torno de um projeto nacional e soberano, em políticas sanitárias, educacionais, sociais e de desenvolvimento científico, de inovação e sustentáveis.

A ciência, as universidades e instituições de pesquisas públicas brasileiras têm competência para pensar soluções, mas precisam de investimentos continuados, com fontes definidas e sustentáveis. Neste momento, em um mundo com fronteiras fechadas, o país precisa, nesta ordem, cuidar das pessoas, dos trabalhadores, estimular seus empresários a investir no setor produtivo e fortalecer a economia e a indústria nacional.  Agora, urge a produção de EPIs e de equipamentos de cuidados intensivos de saúde. No entanto, o presente aponta para um futuro de novas demandas geopolíticas, econômicas e tecnológicas imprescindíveis. 

O exemplo dado pelos Estados Unidos, maior potência econômica e militar da História, valendo de seu prestígio anteciparam à fila deixando o Brasil à deriva, no popular, farinha pouca, meu pirão primeiro. Em suma, a sociedade brasileira deve, em favor de seu povo e da humanidade, valendo-se da ciência, das suas universidades e institutos de pesquisa, cuidar das pessoas, cuidar de seus trabalhadores, dos empresários – a começar pelos micros, pequenos e médios –, e de seu estratégico parque industrial. Em favor da vida, a sociedade, a ciência e as universidades juntas podem construir alternativas para combater a pandemia do Covid-19 e apontar soluçõ4e para economia e para a democracia.

Professor da UFAL, Doutor em História pela UFBA, Membro do IHGSE e da Academia Alagoana de Educação (ACALE)

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