José Vieira da Cruz*
Nas últimas semanas, apesar da quarentena internacional,
o ritmo das mudanças e das informações por elas provocadas não pararam. Neste
aspecto, não há um estado de monotonia e sim de ansiedade.
Ao fim e ao cabo, o
turbilhão de mudanças que vêm desmanchando certezas e pulverizando indecisões
nos coloca a pergunta de como será o amanhã? Pós-crise do petróleo, pós-crise
da redução da atividade econômica, pós-crise da diplomacia e dos interesses
geopolíticos, pós-pandemia e, no caso do Brasil, com um ingrediente a mais: pós-crise
política do governo atual.
Assuntos tão presentes e constantes que é quase
impossível desviar o foco deles, ao menos para os que acompanham os noticiários
e as redes sociais, inclusive os programas de humor e os, cada vez mais
populares e instantâneas, memes. É uma realidade que nos inunda de informações
e nos seduz a pensar seus desdobramentos. Alguns textos são pessimistas, outros
pragmáticos, muitos são céticos e outros tentam manter a esperança na
capacidade humana de superar desafios.
Não tenho o dom nem a habilidade de prever nem de
prescrever o amanhã e menos ainda o futuro. Qualquer coisa nesse sentido,
a meu juízo, seria ato premonitório, aposta, projeção ou pura especulação. A
respeito, há alguns dias, um comentarista de um programa de notícias da TV
Cultura, Luiz Felipe Pondé, questionava prescrições de especialistas sobre um mundo
pós-pandemia mais ético, solidário e sustentável. Acrescentando ainda que só
temos duas possibilidades para lidar com a realidade de crises e de pós-crises:
a História e a Estatística. Embora também goste da Matemática e da Estatística –
não pelos números em si, mas sim pela possibilidade de interpretação que elas
permitem configurar –, como historiador me deterei apenas em minha área de
formação.
A História, ciência que estuda a ação de homens e mulheres
no tempo, como definida por Marc Bloch, já registrou inúmeros momentos de crises,
conflitos, guerras e doenças (surtos, epidemias e pandemias). Todos eles
geraram consequências e lições que foram incorporadas ou não à cultura após
períodos de crise. Desse modo, não obstante o desejo de que, após um período de
crise, ocorra um legado de aprendizagem, superação e de amadurecimento, por “descuido”,
“esquecimento” ou “interesses diversos”, repetições destas crises ocorrem mais
de uma vez e, por vezes, por motivos parecidos. Contudo, essas repetições não são
uma consequência natural, estrutural ou castigo divino, mas sim fruto das
decisões tomadas por cada sociedade.
As experiências vivenciadas por uma sociedade em um
período de crise, este é o ponto que desejo enfocar, carrega em si a
potencialidade concreta de ser aproveitada ou não, sob diferentes formas,
estratégias e experiências. Este processo de aprendizagem ou acomodação depende
do contexto social, do lugar e do tempo de cada cultura. Neste sentido, o
momento atual reflete os significados do vocábulo chinês para a palavra crise: perigo
e oportunidade. Por um lado, crise sinaliza uma situação de perigo, por outro, indica
a oportunidade para resolver problemas e encontrar soluções. Em outras palavras,
o que define o modo como um país e sua sociedade lida com uma crise e com the
day after, é a dimensão política, social e cultural para (re)pensar
caminhos, fazer escolhas e tomar decisões. Fora disso, é relegar a humanidade ao
imprevisto, ao acaso e à própria sorte.
Escrevo este texto, em uma manhã chuvosa, após um
dia anterior de intensos acontecimentos políticos. Refiro-me ao dia 24 de abril
de 2020. Uma sexta-feira que, apesar de não ser 13, suscitou arrepios e
estremeceu algumas certezas! Foram dois pronunciamentos cujos impactos poderão influir
nos rumos que o país precisa tomar por conta da pandemia, da crise econômica e
da defesa da ordem constitucional democrática. O primeiro proferido a partir
das 11 horas pelo até então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, justificando as
razões de sua saída do governo. O segundo transmitido a partir 17 horas, pelo
Presidente da República, acompanhado de grande parte de seus ministros, tentando
justificar a saída do Ministro da Justiça. Acusações à parte, foi mais uma gota
d’água no combalido cenário político brasileiro agravado pela crise sanitária imposta
pelo novo Coronavírus.
É sob esta atmosfera que escrevo para externar uma
leitura do turbilhão de situações do que estamos vivendo e da necessidade de
decisões políticas sensatas, com lastro científico e amparo sanitário exigidos
pelo atual contexto. Escrevo também pela ciência e consciência de que as
mudanças que poderão ocorrer oriundas deste momento/crise (sanitária, econômica
e política) não são e não serão naturais nem advindas da “mão invisível” do mercado
e, tão pouco, das mãos de um “escolhido”. Os indivíduos que constituem uma
sociedade compartilham a responsabilidade pelas decisões tomadas e os frutos de
suas escolhas.
O Brasil e o mundo já viveram outros momentos de conflitos
políticos, crises econômicas e pandemias. Já experimentaram os dessabores de
governos e de políticas autoritários. Sabem que a democracia e que a cooperação
entre os povos tem limites, que é difícil e tem ritmo próprio, mas que apesar
disso garante liberdade, respeito, transparência com o tratado da coisa pública
e, sobretudo, alimenta a possibilidade de debates, diálogos e construções de consenso.
Sabem que o papel do poder público, através dos Estados, é fundamental para garantir
o bem-estar social, as liberdades e os direitos individuais e sociais. E sabem
que em tempos de crise o planejamento, a articulação, o convencimento e a
capacidade de mobilização em torno de pactos políticos, sociais e de desenvolvimento
sustentável são imprescindíveis. Os países e as sociedades que melhor
compreenderem essa necessidade histórica poderão estar um passo à frente das demais.
Minha esperança e desejo é o de que este
aprendizado posso servir de parâmetro e de norte para a tomada de decisão de
instituições e da sociedade brasileira. Mas no momento, o que posso fazer é
escrever e compartilhar com vocês, leitores que acompanham meus escritos, minhas
impressões sobre esse o turbilhão de mudanças que está tomando conta de nosso
país. É salutar lembrar que o ano mal começou. E o turbilhão narrado é mais uma
gota d’água...
Professor da UFAL, Doutor em História pela UFBA, membro do Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e da Academia Alagoana de Educação
(ACALE).
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