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Canapi: com as diárias contadas.



É difícil em certa medida ter acesso e ocupar cargos na esfera pública no Brasil. Em regra, tem-se que seguir o art. 37, II, da Carta Magna: a aprovação em concurso público. Ocorrem ainda contratações balizadas no mesmo art. 37, IX da Constituição Federal. Nesse caso contrata-se para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Até aqui programaticamente as contratações estão no campo da normalidade jurídica. O município de Canapi inova com a edição da Lei de n° 139 de 30 de março de 2017 - agora o município pode contratar pessoal com vistas no excepcional interesse público pagando o pretenso servidor por diária. Paga-se o trabalhador por dia trabalhado e acaso este não cumpra as oito horas programadas, perceberá valor proporcional.
Os equívocos iniciam no artigo primeiro da lei quando afirma que o poder executivo municipal pode contratar na qualidade de diarista. Entretanto, afirma pela possibilidade de contratação, mas não descreve quais situações as atividades a serem desempenhadas será eventual (diarista). Esta postura prescreve a desnecessidade de criação de cargos por concurso público, o que afronta o espirito constitucional. Segundo e talvez o mais importante é a vedação da modalidade de contratação por diária ou trabalho eventual se não houver contratação de pessoal com embasamento técnico, especialidade e honorabilidade do escolhido. Os serviços executados devem ser especializados e de natureza transitória, jamais podem ser serviços de praxe administrativa. Este fator vem sendo respeitado? Noticia-se que as contratações estão na órbita dos serviços contínuos incorrendo o município mais uma vez como refratário legislativo.
O parágrafo segundo do artigo primeiro desconsidera por inteiro o conceito de “excepcional interesse público”. O projeto aprovado faz aqui uma variação interpretativa que arrepia a Constituição Federal ao afirmar que estará configurado a excepcionalidade quando comprovado não ser vantajoso para o Município. O projeto aprovado inverte o conceito. A regra é a contratação de pessoal no rito constitucional, qual seja, ou por concurso público ou por contratação temporária. Contrata-se por diária como forma de burlar o pagamento integral e acompanhado dos reflexos trabalhistas, já que a Lei não reza em nenhuma hipótese sobre a especialização como dito acima.
É de se repisar que na administração pública a excepcionalidade deve ser demonstrada cabalmente e factualmente. Não pode ficar ao alvitre do administrador determinar quando haverá ou se houve tal condicionalidade administrativa. Neste ponto a Lei aprovada é mais uma vez taciturna.
O artigo terceiro guarda uma contradição que merece ser avaliada: como a secretaria de finanças vai antecipar a quantidade de diárias efetivamente laboradas se o provável trabalhador ainda não efetivou o labor? A previsão de contratação por tempo determinado não significa em nenhuma hipótese o pagamento por diárias. O salário mínimo está inscrito no artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal, devendo, pois, ser respeitado.
Afora outras omissões o projeto prevê determinado processo de contratação para diarista. No entanto não especifica a forma como se dará esta seleção, nem ao menos quais são os requisitos impostos pela administração. Por fim e não menos importante é a indicação do regime funcional que estaria enquadrado o servidor diarista. Não há no projeto nenhuma menção a natureza da relação jurídica funcional.
Decerto que a Lei de n° 139 de 30 de março de 2017 da forma como publicada é inconstitucional e atenta contra os princípios protetivos trabalhistas insertos na legislação brasileira, podendo ainda servir de contratação em massa pela modalidade diarista subvertendo a Lei de Improbidade Administrativa, impondo-se à administração pública de Canapi rever a lei em comento preservando os princípios republicanos da transparência e impessoalidade.



 Gerd Baggenstoss é Advogado e Colunista do Blog Ferreira Delmiro