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Quase 2 anos após declaração de emergência, atendimento a crianças com malformações por causa do zika traz desafios para famílias

Brasil criou protocolo para o atendimento de crianças com zika. (Foto: Felipe Dana/AP)

Quando o país se deu conta de que uma geração de crianças brasileiras poderia conviver a vida inteira com anomalias provocadas pelo víruz da zika, o Ministério da Saúde colocou em prática, em março de 2016 -- meio ano após declarar emergência por causa do aumento dos casos de microcefalia --, um protocolo de acompanhamento para que elas tivessem atendimento garantido. Foi criado, inclusive, um registro só para elas: o Siram (Sistema de Registro de Atendimento à Crianças com Microcefalia).

O G1 conversou com profissionais e famílias envolvidas atualmente no tratamento de crianças com essas malformações, e encontrou relatos de falhas, como problemas de deslocamento, falta de vagas e ausência de alguns dos atendimentos. Mas há também boas experiências, como a inauguração recente de uma unidade de atendimento especializado no interior de Pernambuco.

O que está previsto

Pela complexidade do atendimento aos bebês, o ministério formulou no ano passado uma série de políticas que previam que toda criança com síndrome congênita provocada pelo zika deveria ter o seu diagnóstico garantido e um adequado acompanhamento na atenção básica e nos ambulatórios de especialidades -- além da garantia de vagas em serviços de reabilitação.

Além de fisioterapia, consultas com neurologista, pediatra e terapia ocupacional, as medidas previam ainda possíveis visitas de especialistas ou profissionais de saúde em domícilio, ajuda psicossocial e acesso a serviços de estimulação precoce: a ideia era que, com o devido estímulo nos primeiros anos de vida, as consequências nefastas do zika ao sistema nervoso seriam amenizadas e essas crianças poderiam ter relativa autonomia no futuro -- com menos pressão, inclusive, aos serviços de saúde

Maria Lys, de 1 anos 8 meses, nasceu com microcefalia; sua mãe gasta R$ 3 mil por mês para garantir tratamento (Foto: Camilla Raquel/Arquivo Pessoal)

Redução do atendimento?

Um boletim do Ministério da Saúde apresentado em agosto, em comparação com os números de fevereiro, mostrava uma diminuição de 35,8% no atendimento com estimulação precoce e uma queda de 16% no atendimento especializado. Foi registrada ainda uma baixa de 9,4% em atendimento de puericultura para essas crianças -- tipo de serviço oferecido a todos os bebês brasileiros e que envolve, dentre várias abordagens, o acompanhamento do seu desenvolvimento, a cobertura vacinal e instruções sobre aleitamento.

Segundo o ministério, os números podem ser explicados porque crianças que iniciaram a estimulação precoce podem ter sido redirecionadas para serviços especializados ou vice-versa -- embora a queda tenha sido observada em todos as frentes de atendimento. A pasta diz ainda que houve uma mudança de metodologia na coleta de dados durante o período, e é possível que a notificação de atendimentos contemplasse crianças com anomalias não associadas ao zika.

Para o professor Expedito Luna, do Instituto de Medicinal Tropical, ligado à Universidade de São Paulo, os dados de notificação no Brasil devem ser sempre relativizados, mas também, em alguma medida, são uma faceta da realidade.

"Os dados sempre representam nuances porque nosso setor de saúde tem pouco apreço elas informações. Encaram o registro como uma burocracia", diz Expedito Luna, professor do Instituto de Medicinal Tropical, ligado à Universidade de São Paulo.

"Mas, sempre em alguma medida, representam a realidade, ainda mais se considerarmos que o cenário de hoje é favorável para pensarmos em uma queda na qualidade dos serviços", continua Luna.

Dificuldades

Mães que buscam o Instituto Fernandes Figueira (IFF), centro de referência para o atendimento de zika, no Rio de Janeiro, relatam que o encaminhamento para serviços especializados não é tão simples e faltam vagas em centros mais próximos de casa.

"Quando a família vem aqui, a gente primeiro encaminha para uma instituição de reabilitação porque aqui não temos estrutura para atendimento”, diz Miriam Calheiros, fisioterapeuta motora do Instituto Fernandes Figueira, no Rio.

"Encaminhamos, mas as mães voltam dizendo que não há vaga e somos obrigados a absorver por aqui”, diz a fisioterapeuta.

Miriam conta que há muita dificuldade para que essas mães sejam absorvidas na rede asssistencial e, com isso, o deslocamento gera uma série de problemas que podem prejudicar, no limite, a assiduidade da família e a continuidade da terapia.

"Essa mãe muitas vezes mora em outro município, chega aqui com fome, pega o transporte cheio. Isso não poderia acontecer, e a fisioterapia é duas vezes por semana", diz.

Com a dificuldade de manter a assiduidade, as mães acabam perdendo a vaga. É o caso de Maria Eduarda Barbosa da Silva, 18, mãe de João Arthur, de 1 ano e dez meses.

Ela perdeu o encaminhamento que tinha para neurologista e fisioterapia na AACD do Recife (PE) porque João ficou muito doente. “Ele não chegou a ficar nem quatro meses”, diz Maria Eduarda.

“Ele fazia tratamento na piscina e não estava aguentando. Levei ao pediatra para ver o que estava acontecendo, mas, quando voltei, perdi a vaga.”

Maria conta que João Arthur está há um ano sem acompanhamento. “Ele desligou totalmente”, diz. “Não consegue apoiar a cabeça, nada. Antes, ele ficava acordado, mais esperto”. Segundo a mãe, ela voltou para o início da fila e até hoje não recebeu um comunicado da AACD – ela conta também que não conseguiu encaminhamento no posto de saúde. O G1 aguarda um retorno da AACD do Recife sobre o que ocorreu.

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