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Pela fé, lar em Maceió cuida de pessoas encontradas em situação de abandono



Era uma tarde de terça-feira ensolarada. Depois de nos dirigirmos até o bairro Village Campestre II, na parte alta de Maceió, e chegarmos próximo à região mais carente daquela localidade, numa rua com piso de barro esburacado e já próximo a uma área de mata, paramos. Era ali: o Lar Santo Antônio de Pádua. Recebidos por um dos funcionários do local, entramos. Lá dentro, Frei José nos aguardava.

Sob os olhares curiosos daqueles que nunca tinham visto nenhum dos rostos de nossa equipe, seguimos até a sala que nos foi indicada para conversar com o grande responsável por gerenciar tudo aquilo. Frei José, de 68 anos, havia aberto um espaço na agenda de atendimentos que também faz na Igreja Nossa Senhora da Conceição, no mesmo bairro, e, ao nos encontrarmos, estava debruçado sobre a mesa que há na sala de sua pequena casa, construída dentro do próprio abrigo, dividindo o espaço com dezenas de livros, agendas e imagens de santos.

O Lar Santo Antônio de Pádua cuida, atualmente, de 97 pessoas, das quais mais da metade possui algum problema mental. Durante nossa conversa, Frei José contou que, vindas das mais variadas partes do estado, todas foram encontradas em situação de abandono. Esta, aliás, é uma das premissas para a aceitação de pessoas no espaço. Segundo ele, por sobreviverem de doação, as pessoas que chegam até o abrigo são levadas justamente por não terem mais a quem recorrer.


Mas, a história do Lar Santo Antônio de Pádua e a da sina de Frei José por cuidar dos desamparados não é de hoje. Frei José nasceu em Penedo e, filho de pais católicos de tradição franciscana, diz que sempre sonhou em servir a Deus na igreja e ajudar os mais necessitados. 

Já atuando como frade da ordem franciscana de Santo Antônio, sua história com o lar em Maceió começou quando, em 1999, durante uma de suas ações de caridade no antigo pronto-socorro (hoje Hospital Geral do Estado, o HGE), se deparou com um idoso que estava isolado em uma das áreas do hospital, fazendo dali sua casa. Ao questionar os funcionários e demonstrar sua inquietação, eis a surpresa: o paciente era um morador de rua resgatado após um incidente e que, sem ter para onde ir, ficaria por lá até morrer.

"Eu fiquei muito angustiado e perguntei se poderia levá-lo para minha casa para poder cuidar dele até o último dia de sua vida. Assinei todos os papéis e o trouxe. Um tempo depois uma funcionária de lá me procurou falando que estavam com uma situação parecida e queriam saber se eu poderia cuidar desse outro paciente abandonado. Até então, eu não tinha em mente fazer nada parecido com um abrigo, mas acabei aceitando também. A decisão final em dar início ao trabalho de acolhimento se deu quando, um dia, ao andar pelo Centro, um senhor me abordou implorando para que também o trouxesse para a minha casa. Aí entendi o novo trabalho que Deus havia me dado e o abracei", contou.

A partir daí, iniciava-se uma história de amor e entrega aos mais necessitados. Sob o lema "Se tem vaga, tem; se não, tem também", começaram, então, a receber pessoas das mais variadas partes do estado em busca de abrigo - a maioria delas resgatada por outras pessoas e indicadas por entidades para ficarem no lar. 



HISTÓRIAS CRUZADAS

Apesar da variedade de lugares de onde vêm, todos os atendidos pelo Lar Santo Antônio de Pádua possuem algo em comum: foram abandonados. Suas histórias passam por casos de vítimas de estupro, ex-internos de hospitais psiquiátricos, vítimas de maus-tratos pela família etc. Um dos mais recentes é o da moradora de rua Maria (nome fictício), vinda de Joaquim Gomes, interior do estado. 

Trazida por freiras da cidade há menos de um ano e já na altura de seus sessenta anos, ela foi achada na rua fragilizada após ser abusada sexualmente, e encontrou no lar descanso. Consciente de tudo, mas tímida, prefere não fazer foto, apenas agradece insistentemente o frei pela acolhida, entre abraços e sorrisos, com brilho nos olhos. "Não sei o que teria sido de mim se não tivesse vindo pra cá", diz.


Um caso curioso, salientado pelo próprio frei, é o de Moisés. Ele foi um dos primeiros a ir morar no abrigo. De acordo com Frei José, Moisés recebeu alta do pronto-socorro e foi enviado para o lar.

"Cheguei da procissão e o vi, não sabia onde colocá-lo, então dei minha cama para que ele dormisse. Ele estava muito fraco, sequer comia. Depois que recebemos ajuda de uma profissional da Santa Casa foi que ele começou a tomar soro. Por cerca de quinze dias, achamos diariamente que ele iria morrer. Até que um dia ele foi tomar um caldo e conseguiu engolir. Pronto. De lá pra cá se recuperou e está até hoje conosco", contou.

Desde a fundação do abrigo, muitos já chegaram e também se foram, como manda a ordem natural da vida. Nestes casos, a organização do lar aciona a Defensoria Pública para receber a autorização de enterro do corpo, já que não são da família. Há, ainda, os que, ainda conscientes, autorizam que, quando morrerem, seu cadáver seja encaminhado para alguma instituição, a fim de servir para estudos. 

Nos casos de enterro, as cerimônias acontecem sempre no Cemitério São José, no Trapiche da Barra, e reúnem todos quantos conseguirem participar. "Às vezes, eles ficam perguntando uns pelos outros, por causa do vínculo que acabam criando, mas depois entendem e aceitam. É um processo doloroso, mas necessário", diz o frei.



AMEAÇADOS PELA CRISE

Em seus quase vinte anos de história, o Lar Santo Antônio de Pádua nunca precisou fechar as portas. Apesar disso, Frei José admite que as doações diminuíram em muito após o início da crise financeira vivida por todo o País e que isso fez com que a organização precisasse se adaptar às circunstâncias. 

Todo o funcionamento da casa, desde o início dos trabalhos, é dependente de doações e sob acordos. O gás, a comida, a luz, o material de limpeza, os remédios. Por isso, toda ajuda é sempre bem-vinda. A única via da qual Frei José não aceita doações é a política. Questionado, ele responde que precisa manter a obra livre de "vínculos secundários" e que "o foco precisa permanecer na obra de Deus". 



Mesmo com as dificuldades, Frei José afirma que nunca chegou ao fim do mês com as contas do local no vermelho. "Muita gente não consegue entender e me questiona sobre isso. Eu também não sei, mas descanso e Deus provê. Nada disso é meu. O dono é Deus, eu sou apenas mais um de seus servos", reafirma.

Ao todo, o lar conta com 16 funcionários, cada um ganhando um salário (ou gratificação, como o frei prefere chamar) de, pelo menos, R$ 1 mil. O restante das pessoas que presta serviços no local é de voluntários, estudantes estagiários da área da saúde, ou mesmo detentos que, em acordo com a Justiça, cumprem medida socioeducativa. Frei José, por sua vez, vive das doações que chegam, assim como os assistidos, sem direito à carteira assinada ou nenhum outro benefício.


Um dos funcionários do local é Marcelo Vasconcelos, de 38 anos. Ele é técnico em enfermagem e está há um ano no lar. Chegou como estagiário, mas gostou da experiência e, após desempenhar bem suas funções, foi contratado. 

Marcelo diz que chegou ao lugar depois de passar por um período difícil com sua mãe, que tem 89 anos e é hipertensa. "Vi que precisava cuidar das pessoas e encontrei aqui o lugar ideal para isso. É uma correria sempre, afinal são muitas pessoas pra atender, mas eles são muito carentes e poder contribuir para o bem-estar delas é muito gratificante. O mais difícil mesmo é quando a gente se apega e depois alguém morre ou é encontrado por alguém da família", contou.

O amor demonstrado por Marcelo, aliás, é crucial para quem quer trabalhar no local. Frei José diz não admitir pessoas que materializam as suas funções. "O que conseguimos pagar é pouco para tudo que eles fazem aqui, por isso digo que eles recebem uma gratificação. Se não for por amor, não aguenta, por isso quando vejo que alguém perdeu a essência, já não trata mais as pessoas com o carinho que elas merecem, converso com a contadora e já aviso que não quero mais".

UNIDOS PELO AMOR

O Lar Santo Antônio de Pádua, apesar de ser administrado por católicos e também receber ajuda destes, conta, em sua trajetória, com a influência direta de pessoas de diversas religiões. Desde os primeiros passos dados rumo à aquisição do prédio onde os assistidos estão, bem como dos primeiros materiais, até hoje, Frei José recebeu e recebe a ajuda de pessoas de diversas correntes filosóficas e religiosas. 

Mesmo sendo adepto do tradicionalismo católico, ele diz não ver, entretanto, mal algum no ecumenismo, embora admita que recebe críticas de alguns companheiros de batina por causa de seu posicionamento. Para defender seu ponto de vista, Frei José lembra ainda o posicionamento do Papa Francisco, quando de sua posse no papado, ao afirmar que "quem é da Luz, não mostra religião, mostra o amor".

"Acredito que Deus é o pai de todos e cada um serve a Deus onde Ele quiser que sirva. Se me sinto bem servindo a Deus como católico, tenho que respeitar quem serve a Deus de outras maneiras. Não cabe a nós julgar, e o que deve nos definir como filhos de Deus e nos unir é justamente o amor", concluiu.


Por: Gazeta Web