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UM GIGANTE COM PÉS DE BARRO

José Vieira da Cruz
(Historiador, Professor da UFS e membro da ACALE)

A metáfora que intitula este artigo, refere-se a uma representação associada ao Império Neobabilônico, entre os anos de 626 a 539 antes de Cristo, localizado no crescente fértil, entre os rios Tigres e Eufrates, atualmente conhecido como Oriente Médio. Um Império – retratado em interpretações atribuídas aos estudos bíblicos – por ter uma cabeça de ouro, um corpo de prata e os pés de barro, que cresceu, mas não se sustentou.  
Feitas as devidas ressalvas, contextualizações e reparos, a grandeza, a opulência e a força do referido Império se assemelham ao Brasil, menos pela existência de uma cabeça de ouro e de um corpo de prata, e mais pelas fragilidades de seus pés de barro. 
Ao menos, isto é o que nos revela as dificuldades, limitações e dependências da sociedade, do Estado e, sobretudo, dos dirigentes brasileiros frente à crise sanitária, econômica, diplomática e política provocada pelo Covid-19. A questão é tão profunda, complexa e indignante que falta até oxigênio para explicá-la.  
O centro do problema é compreender como um país de dimensões continentais, com universidades, institutos de pesquisas, laboratórios, indústrias, cientistas e técnicos habilitados não produz vacinas, equipamentos e outros insumos para preservação da vida. O mais plausível, razoável e óbvio para aclarar esta situação é a ausência de projeto, direção e vontade política.
A respeito, desde o início da pandemia, nos primeiros meses de 2020, constatou-se que o mercado internacional não daria conta das demandas surgidas do atual contexto, em particular, daquelas geradas na área da saúde. A falta de respiradores e de equipamentos de proteção individual – os famosos EPIs: luvas, máscaras, álcool em gel, dentre outros – deu o tom nas disputas, confiscos e prioridades entre os países produtores, detentores de prestígio internacional e de maior poder econômico.
Mergulhado em um cenário de pandemia, em menos de um ano, surgiram novas demandas, disputas e interesses: a falta de seringas e insumos básicos para a produção de vacinas. Enlaçado por várias crises, o gigante da América do Sul se apresenta com os seus pés de barro: sem projeto, planejamento, orientação e postura política, contrariando as expectativas para transformar as crises em oportunidades.
Neste transcurso de tempo, o país é um dos líderes mundiais nos casos de infectados e de mortos por conta da pandemia. Diante desta realidade, a vacinação – apesar da expertise acumulada em campanhas pública de imunização, na profissionalização do Sistema Único de Saúde (SUS), na experiência de pesquisa em biomedicina, infectologia, genética, ciências humanas e outras áreas de inovação científica – não tem avançado por falta de prioridade, planejamento e gestão. 
Nesta perspectiva, a ciência brasileira, apesar de produzir textos acadêmicos de excelência, tem sido sufocada pela falta de financiamento e incentivos para desenvolver equipamentos, remédios, vacinas, insumos, protocolos e deferentes tecnologias para o bem-estar da sociedade e contribuir com o desenvolvimento econômico, social e humano do país.
As dificuldades são inúmeras: faltam marcos regulatórios mais céleres   para aprovar, estimular e transformar a inovação científica em produtos e serviços ao alcance da sociedade; faltam políticas públicas que estabeleçam metas, estímulos e cotas para uma produção industrial nacional autossustentável, disponível e independente das oscilações dos mercados e dos interesses internacionais conflitantes.
Em tempo, não defendo o nacionalismo protecionista a qualquer custo, a xenofobia ao estrangeiro e nenhum outro tipo de extremismo. A História já provou que essas escolhas foram malsucedidas e arremessaram nações nos braços de governos autoritários, personalistas, ineficientes e retrógrados. 
Feitas estas considerações, não posso deixar de observar que frente a multidimensionalidade das crises que assistimos, dia-a-dia, fronteiras internacionais são fechadas, persistem confiscos de equipamentos, insumos e tecnologias estratégicas e, tornam-se cada vez mais frequentes, os sobressaltos em favor da primazia de quem detém o conhecimento, a produção e o capital. Assim, a metáfora do “gigante com os pés de barro”, capaz de alimentar parte do mundo – incorporando novas tecnologias ao agronegócio voltado para exportação – mostra-se incapaz de cuidar da saúde e do bem-estar de sua população. 
Enquanto ser humano e brasileiro gostaria que a realidade fosse outra. Por isso, acredito que a melhor saída contínua a ser garantir investimentos contínuos para a ciência, educação, saúde, meio ambiente, bem como, defender políticas de inovação científica e de desenvolvimento econômico, industrial, agrícola e tecnológico sustentáveis, socialmente referenciadas e adequadas aos desafios do presente histórico que nos envolve.

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1 Comentários

  1. Ótimo artigo. Uma reflexão que qualifica bastante o blog que já é uma referência.

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